✎ Por Mayara Gonçalves
Ao longo da vida passei por vários desafios enquanto pessoa com deficiência. Desde pequena, apesar de não ter muita consciência disso na época, sempre quis entender do que meu corpo era capaz, mesmo sendo diferente dos outros. Brincar na rua, apostar corrida, pular corda, me sujar de terra e fazer coreografias, eram algumas das coisas que mais me encantavam, apesar de eu não executá-las.
Ilustração elaborada por Anex Santis exclusivamente para o Fala, Prô!. Cópia, utilização ou distribuição proibida. |
Mesmo encontrando formas mais caseiras de brincar (minhas bonecas diriam que algum dia serei uma excelente mãe!), sempre tive essa curiosidade sobre "o que há lá fora?" e, consequentemente, "o que há aqui dentro, que me impede de viver experiências como aquelas?". Então, ao ser convidada para iniciar meus trabalhos como colaboradora do Fala, Prô!, pensei em resgatar a importância dessa curiosidade na minha vida e propor algumas alternativas para educadoras e educadores que querem estimulá-la em crianças ou adolescentes que tenham uma deficiência.
A importância da curiosidade
Aaaah, a curiosidade! Essa nos leva ao infinito, mesmo que seja fisicamente impossível chegar até lá. Ela nasceu com o ser humano e vai acompanhá-lo até o último segundo de vida, e pouco importa se uma deficiência qualquer entrou na jogada. A curiosidade existe em todos nós e proporciona a evolução. E é preciso dizer: muitas vezes, ela está até mais presente na criança que possui uma deficiência, justamente pela quantidade de privações às quais ela é exposta durante sua infância. Se tem uma coisa que eu aprendi na minha jornada de descoberta, com certeza é: para evoluir, é preciso sentir uma porção de coisas, sejam elas boas ou ruins. E, quando nos divertimos no processo, tudo fica mais legal.
Valorizando o sentir do aluno PCD no ambiente escolar
Apesar das crianças com deficiência estarem mais acostumadas com rotinas hospitalares do que as outras, não basta para elas ficarem imersas nesse universo de cuidados e precauções. Mesmo em ambientes como esses, elas seguem curiosas, querendo sentir e aprender coisas diferentes das que já estão acostumadas, nem que para isso precisem encontrar um modo próprio de fazer as coisas.
Na animação chinesa Out of Sight, vemos o papel da curiosidade para uma criança cega
Assim, enquanto educadoras e educadores, precisamos desassociar a figura da criança com deficiência de um ser humano apático por conta de suas dificuldades. Afinal, todas(os) temos dificuldades e estamos aqui, vivas(os) e tentando aprender mais sobre nós mesmas(os) e o mundo. Portanto, educadores acabam funcionando mais como pontes facilitadoras entre a criança com deficiência e o aprendizado (tanto do eu, quanto do meio que a cerca). Somos os responsáveis por adaptar atividades, dar asas à imaginação e responder às grandes perguntas que habitam suas grandes mentes, prontas para parar de apenas pensar e começar a sentir.
Este é o ponto no qual você pode estar se perguntando: "Como eu, enquanto professor(a), me liberto do que a sociedade ensinou sobre o que é um aluno PCD, para ser mais apto na minha função de educar?" A resposta dessa questão tende a ser complexa, mas eu vou simplificar: estude muito e esteja disposta(o) a olhar para a individualidade do seu aluno PCD como algo positivo. O medo não cabe nessa etapa da jornada. Se você está se perguntando como ser uma educadora melhor, especialmente para alunos PCD, precisará sair do comum e do medo de ferir um "corpo debilitado".
Sei que a sociedade nos lembra de várias formas o quanto dar esse salto de aprendizado é assustador por envolver algo desconhecido e diferente, mas tal conceito não é verdadeiro, e sim capacitista. Aliás, vale a pena falarmos exclusivamente deste assunto no futuro, mas vamos dizer que o capacitismo é "toda a discriminação estrutural a qual esse grupo [PCD] é vítima, desde a acessibilidade, passando pela inclusão e a forma como a sociedade o trata." Assim, para proporcionar a inclusão da pessoa com deficiência na sociedade é preciso não ter medo de incluí-la de verdade desde a primeira infância, sendo uma educadora ativa e tão questionadora quanto a própria criança.
Na hora de adaptar, aposte na simplicidade
Certamente, preparar conteúdos, acompanhar o desenvolvimento de uma turma numerosa, orientar comportamentos desviantes e ainda ter que adaptar atividades parece muita coisa para uma pessoa só. E, na verdade, é. Porém, nenhum ser humano, tendo uma deficiência ou não, evolui sozinho: então, é preciso contar com a responsabilidade pública e privada, o interesse da própria criança, o apoio dos ajudantes na sala de referência, a coordenação da escola e os familiares do aluno na hora de pensar em adaptações. Para isso, é necessário muito diálogo e capacitação.
Popularização do ensino em libras, oferecimento de cursos sobre acessibilidade no ambiente escolar e outras especializações na área são iniciativas que agregam muito na formação do(a) educador(a). Infelizmente, na política atual não há muito espaço para contar com tais programas. Porém, como em muitas outras situações, se colocarmos a mão na massa grandes avanços serão possíveis.
Aprender brincando
Apesar de parecer complexo, esse movimento facilitador entre criança e aprendizado pode ser feito de formas simples e comuns no dia a dia, abrindo espaço para as brincadeiras. A seguir, listei alguns exemplos reais do que pode ser feito:
No curta-metragem espanhol Cuerdas, vemos um exemplo de inclusão no brincar da criança cadeirante
Quando a vontade é tocar na terra, aproveite as atividades de plantio para deixar o aluno sentir um punhado dela. E, se o espaço for grande, peça ajuda para tirar o pequeno da cadeira de rodas e colocá-lo no chão, possibilitando um contato real com aquela atividade. Já na contação de histórias, por que não optar por sair um pouco dos livros que já estão prontos, pedir para todos fecharem os olhos e estimular a construção de uma narrativa descritiva e repleta de recursos sensoriais? Assim a criança com deficiência visual poderá imaginar junto dos colegas e senti-los inseridos no próprio universo. Na hora de pular corda na educação física, se a criança com deficiência quiser descobrir como é essa sensação, porque não pegá-la no colo e pular? Se o assunto for correr, por que não chamar a criança com deficiência para a próxima disputa com os coleguinhas, mesmo que ela faça isso sob rodas e precise ser supervisionada para garantir que não se machuque? Chegou a hora de dançar? Que tal incentivar a criança PCD a escolher a música da vez e se movimentar do jeito que consegue junto com os colegas de sala? Quando não é possível usar a fala para se expressar, estimule o uso do corpo e da linguagem de sinais durante uma brincadeira em sala de aula e veja quanta inclusão verdadeira sai disso...
Apesar de ser algo bastante pontual, um diálogo com os pais sobre a vontade dela pode fazer com que eles se engajem e tornem essa atividade possível, sem deixar a segurança e o apoio da escola de lado. Com certeza, a vontade do aluno PCD ao sonhar com essas atividades, é sentir o máximo de coisas possíveis: movimento, adrenalina, contato com as raízes e vento no rosto, são coisas que passam batido por pessoas sem deficiência e fazem muita diferença na vida de quem convive com ela. No fim das contas, o importante é saber que as possibilidades educacionais são infinitas, e tudo depende da criatividade e disposição dos envolvidos. Especialmente porque estamos em um mundo plural, que guarda a sua beleza exatamente nisso.
O Fala, Prô! também é um espaço pra gente trocar figurinhas: não se esqueça de registrar nos comentários alguma de suas experiências com inclusão e quais os maiores desafios que enfrenta quando o assunto é PCD!
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