.

17 outubro 2021

Reflexões sobre a sexualidade da pessoa com deficiência

✎ Por Mayara Gonçalves

Para além do ato sexual, falar sobre sexualidade é também falar sobre autoconfiança, diálogo, afeto, respeito e liberdade de ser e sentir. E, assim como isso se aplicaria ao contexto de uma pessoa sem deficiência, se aplica ao contexto PCD.

Imagem meramente ilustrativa. Fonte: Anna Shvets em Pexels.

Exatamente! Abordar o tema da sexualidade relacionado à pessoa com deficiência vai além da curiosidade (muito comum, mas bizarra e capacitista) sobre "como será que aquela pessoa transa?" (ora! como todo mundo!). Assim, entendendo que há várias camadas envolvidas, é preciso dizer que socialmente a relação entre a sexualidade e a pessoa com deficiência foi anulada por muito tempo.  

Trailer de Margarita com canudinho: embora entre na categoria cripface, o filme apresenta a história da indiana Laila, que tem paralisia cerebral, é bissexual e vive uma jornada de autoconhecimento e aceitação

Advindo da infantilização dos corpos, do afeto e do intelecto PCD, este comportamento faz com que nós, que de fato vivemos como alguém com deficiência, passemos por dificuldades na hora de viver a sexualidade. Não dificuldades físicas em si, mas em expressar e classificar a qualidade dos afetos e relações nas quais nos envolvemos. Se eu for falar sobre a quantidade de vezes em que eu me privei de chegar em alguém que eu estava interessada com medo do que a pessoa diria ou de como me trataria exclusivamente por ter um padrão corporal diferente, nós íamos ficar nesse texto até amanhã ou depois de amanhã, minha gente! E sobre aquelas vezes em que ficava alguma coisa no ar, mas não ia para frente por falta de clareza e atitude de ambas as partes… um bom tempo também! E, por fim, se eu for falar em quantas enrascadas abusivas eu me meti e a qualidade das relações que aceitei em minha vida, simplesmente movida pela vontade de "viver alguma coisa diferente de estar sozinha", sem saber classificar a qualidade do afeto e do sexo vivenciado, vixe… até 2050! 

Obviamente, relacionar-se é algo complexo para todas as pessoas, mesmo que existam mais meios de incentivar a construção da autoestima, da confiança e do que se gosta para pessoas sem deficiência. Digo isso pois há muito mais representatividade para elas por aí. Digo isso porque não há o capacitismo interferindo e gerando a eterna luta contra “o tempo'' e a mentira de que será uma sorte se não ficarmos sozinhos, já que “somos diferentes”. Entendo que há uma pergunta que fica para todos nós: 

Como vamos ter tempo para curtir e vivenciar a sexualidade que é nata a cada um de nós (não adianta dizer que não!) se há tantas coisas anteriores a isto (extremamente complexas e até cansativas de viver) para mudar, tanto individualmente quanto no contexto social/relacional?

Tendo a minha vida como parâmetro, o fato é que eu não fui ajudada nem em casa, nem na minha formação escolar a aceitar o meu corpo, nem a pensar no que eu gosto no sexo (sem ser em detrimento da vontade do outro) e nem na qualidade das relações aceitas. Assim, o processo de me questionar sobre tudo isso está em curso constante até hoje. E sinceramente, se eu me gosto, me aceito e me permito o autoconhecimento nas esferas intelectuais e sexuais, é simplesmente porque eu busco por isso todos os dias. E essa busca é cheia de altos e baixos: às vezes fica muito mais fácil fazê-la sozinha e em outras é melhor compartilhá-la. Mas o que mais me interessa é continuar a vivê-la.

No que a escola pode contribuir durante este processo?

Pensando no ambiente escolar como espaço de formação, entendo que questionamentos e análises como estas que contei devem ser pautados. Em outras palavras, me pergunto por que em 2021 ainda existe quem não defenda as aulas de educação sexual e, para além disso, ainda há quem veja o sexo apenas como algo estritamente biológico.

Leandrinha Du Art, comunicadora e ativista LGBTQIA+ e PCD, reflete acerca das expectativas sociais sobre o corpos

Quando socialmente entendermos que o sexo é também expressão, vivência e compartilhamento, talvez tenhamos espaço no âmbito familiar e escolar para aprendizados que transformam o ser humano também na esfera íntima. E não estou falando de nada escancarado e impossível de se fazer: me refiro ao planejamento de novas discussões, que envolvem conceitos como autoestima, respeito aos limites do outro, reconhecimento das potencialidades individuais e qualidade das relações interpessoais.

Falo principalmente do incentivo ao pensamento crítico também aplicado ao modo como nos entendemos, habitamos um corpo individual ou social e vivemos as relações... com a clara explicação de que experimentar aquilo que agrega e potencializa cada um de nós como indivíduos é um direito de todos.

Reels com a despedida de solteira da influenciadora Chelsie Hill

Afinal, apenas corpos autoconfiantes e livres para expressar e viver seus desejos são capazes de curtir o sexo como deve ser, independente da existência da deficiência como característica! E isso precisa ser incentivado, antes que nos tornemos socialmente incapazes de entender as particularidades de cada corpo como positivas e instigantes para nós mesmos (e também para as pessoas com quem optamos por nos relacionar), a ponto de sermos indivíduos que passam pela vida sem saber direito o que é sentir (ou como proporcionar) o prazer. 

Consequentemente, essa mudança de pensamento dentro e fora da escola, com certeza trará melhores condições de vida para pessoas com e sem deficiência, que serão refletidas diretamente no modo como nos relacionamos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

imagem-logo